quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

    Na mitologia dos Gigantes, a sua jornada

Quando crianças, todos nós já ouvimos histórias sobre gigantes, tais como a do João e o Pé de Feijão, originalmente escrita por Joseph Jacobs em 1890, cujo roteiro revela a história de uma viúva e seu filho curioso e rebelde, que recebera de sua mãe a ordem para trocar a única vaquinha que possuíam por míseros tostões na cidade. Entretanto, durante o caminho, um sujeito estranho o encontra e acaba por lhe oferecer em troca do animal um punhado de sementes de feijão. Acreditando serem mágicas, João decide por realizar a troca, voltando para casa com grande euforia.
Após ser repreendido por sua mãe por causa de tamanha estupidez e ingenuidade, o jovem lança furioso as sementes de feijão pela janela, que para sua surpresa, dão origem a um gigantesco pé de feijão no dia seguinte. O tamanho da planta ultrapassava o limite das nuvens do céu. Tomado pela curiosidade, o jovem resolve escalar o pé de feijão até a casa de um gigante comedor de crianças. Com esperteza, sobretudo, o jovem consegue tomar vantagem da palermice e do descuido do gigante para lograr as riquezas que buscara, conquistando, inclusive, uma pata dotada da capacidade de botar ovos de ouro.
Como nessa história, a figura dos gigantes está presente em nosso imaginário coletivo desde os tempos mais remotos, inundando nossa imaginação com a personificação de um ser dotado de poder, mas insensível às belezas apreciadas por nós humanos. O estereótipo do gigante nos remonta a adjetivos negativos, de pouco apreço à colaboração e ao convívio. Os gigantes estão sempre sozinhos e dotados de quase nenhum atributo de bondade ou humor.
A psicoterapeuta junguiana Marie Louise von Franz, em seu livro The Shadow and Evil in Fairy Tales, destaca coisas interessantes sobre esses seres. Dentre elas, a ideia de que gigantes seriam seres criados antes mesmo dos seres humanos pelos deuses. E como que fadados a encenar o papel de uma espécie experimental, aos gigantes restaria o papel de servirem de cobaias desajeitadas e desprovidas de habilidades que seriam concedidas mais tarde a nós. Na mitologia nórdica, por exemplo, os gigantes existem antes mesmo dos deuses. Nas escrituras sagradas, o roteiro não foge à regra, e ao gigante Golias cabe o papel de guerreiro cruel e invencível.
Entretanto, esse arquétipo pode nos auxiliar a refletir sobre algumas circunstâncias reais em nosso cotidiano – especialmente do ponto de vista profissional – capazes de nos fazer tomar atitudes reais em nosso benefício. Com exceção daqueles que recebem algum tipo de herança e não precisam batalhar para conquistar seu sucesso financeiro, todos nós outros precisamos enfrentar diferentes gigantes ao longo de nossa jornada até a conquista de nossa “pata com ovos de ouro”. Muitas das vezes, a inexperiência com que entramos na vida adulta nos faz agir com certa dose de irresponsabilidade e curiosidade, tal como o João do pé de feijão, que não se contentando com a venda da vaca pelo simples prolongamento de sua miséria, se encanta com algo que poderia ser novo. Essa expectativa lhe saltou os olhos, fazendo disparar-lhe o coração e o dotando de coragem para tomar uma decisão inusitada e corajosa.
Na medida em que crescemos, e os gigantes vão sendo derrotados em nossa trajetória profissional e pessoal, o tempo e o esforço se encarregam de nos presentear com as conquistas que almejávamos enquanto éramos mais jovens. Nossa casa, que antes era um sonho quase intransponível, com o passar do tempo já nem financiada está. O carro, que antes era uma imaginação, muitas vezes é trocado por modelos mais novos de tempos em tempos. As viagens nas férias muitas vezes nem são mais tão preparadas com tamanha expectativa como fazíamos há 10 anos. Da mesma forma, a promoção e o aumento do salário, algo tão esperado, mais cedo ou mais tarde acabam sendo conquistados. Enfim, os gigantes que antes nos tiravam o sono estão quase todos derrotados, nos restando usufruir de certo conforto e acomodação.
Dante disso, o que restaria então? Presentear a história com um final aparentemente feliz? Seria injusto! Ainda que do ponto de vista literário.
Se por um lado a vitória contra os gigantes nos faz atingir certo conforto e alívio, por outro lado, muitas vezes confundimos uma vaca cujo leite ainda não secou com uma pata capaz de botar ovos de ouro.
Da mesma forma que devemos fugir do conformismo de João com a vaquinha até o recebimento da ordem de sua mãe, devemos repelir a desesperança da pobre velhinha. Mais ainda, para que nossa história possa ser contada com letras maiúsculas, precisamos assumir o papel de buscar algo novo no roteiro, capaz de romper o paradigma da conformidade, de nos fazer acreditar em ultrapassar os limites estabelecidos pelas circunstâncias da vida. Para os que já possuem vacas férteis com grande quantidade de leite, talvez essa atitude se torne mais difícil, mas para conquistar a pata com ovos de ouro é preciso antes de mais nada sonhar com os objetivos maiores do que aqueles que nos são apresentados. Para aqueles que estão na situação de João, com uma vaquinha com o leite prestes a secar, a necessidade de uma atitude corajosa é mais urgente. Diante dessas circunstâncias, entre deixar o leite secar e trocar a vaca por tostões capazes apenas de prolongar a tragédia estabelecida, devemos tomar consciência da necessidade de tomar atitudes surpreendentes, capazes de virar o jogo, fora das possibilidades aparentes.
Geralmente, atitudes como essas exigem certo grau de irresponsabilidade e juventude. Entretanto, quando bem trabalhadas podem ser sentimentos a serem cultivados a fim de nos fazer sair de nossa zona de conforto. Ulisses, na obra prima da Odisseia de Homero já havia vencido Polífemo, o gigante de um olho só que habitava a terra dos ciclopes. Entretanto, momentos mais tarde os Lestrigões canibais, também gigantes, aparecem para tirar o seu sossego fazendo-o resgatar forças para também vencê-los. Vencer alguns gigantes não significa que chegamos ao destino. Nossa jornada é uma eterna aventura a céu aberto.
A coragem, o ímpeto e a ousadia não devem, entretanto, compor uma cesta cheia de um eterno tormento, como quem precisa levantar-se às 3hs da manhã para correr apenas para provar para si mesmo que o corpo não tem limites. Ao contrário disso, uma vida de colheita farta e de resultados possíveis passa pela mudança de mentalidade, por fazer com que sonhar com algo diferente e novo não seja um sacrifício, mas sim um uma visão de um copo d´água gelada diante da sede por mudança. O Mudar precisa habitar a esperança e não o sacrifício, a mudança é uma consequência de uma florescência que já nasceu dentro de nós.
Tal como a juventude, o tempo é fugidio, não existe em concreto. Tudo o que vivemos, e alguma forma, ou é passado ou é futuro. O momento presente é uma função derivada que tende ao infinito, por mais próximos que possamos chegar do presente ele sempre será uma utopia. Portanto, se há uma estratégia viável para mudarmos o rumo de nossas conquistas é ter a consciência de que fizemos tudo para nos sentar na janela e termos a melhor visão quando o trem passar veloz diante da árvore florida da vida.
Se os gigantes da sua jornada já foram vencidos, acorde-os, pois a maior vitória para o gigante é te fazer acreditar que não é mais preciso lutar. É tempo para a mudança.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

De Volta para o Futuro Possível

Este Texto foi escrito no dia 28/10/2015.

De Volta para o futuro possível.

        Semana passada ocorreu um evento muito esperado pelos fãs do clássico filme De volta para o futuro II, do diretor Robert Zemeckis: enfim a chegada ao futuro. O seu segundo filme da série (1989) faz referência a um longínquo momento de 26 anos após a sua época, ou seja, dia 21 de Outubro de 2015, e mostra algumas inovações surpreendentes que alimentaram nossas expectativas acerca do futuro e das novidades que nossa sociedade conheceria após esse período de evolução.

          Marty McFly e o Dr. Brown foram capazes de interpretar com maestria o entusiasmo que teríamos se nos defrontássemos com a situação de sair de um de DeLorean/anos 80 26 anos após nossa época e nos deparássemos com pares de tênis e jaquetas automáticos e um encontro inesperado conosco mesmos em períodos diferentes da vida. Essa experiência, antes de ser uma atração cinematográfica, é uma oportunidade sociológica surpreendente capaz de nos possibilitar imaginar com arte essa realidade.

A trilogia do filme despertou em muitos de nós a curiosidade de se viver em lugares diferentes de nosso tempo, tanto no futuro quanto no passado, nos fazendo imaginar o rompimento de barreiras óbvias que nos limitam a viver em uma prisão temporal e nos obrigam a ter que conviver com tudo aquilo que já conhecemos, e que de certa forma, não nos chama muito a atenção pela obviedade.

Pensar com entusiasmo quando buscamos algo que não conhecemos é algo totalmente natural do ser humano, haja visto o sucesso creditado aos programas televisivos que investigam vidas em outros planetas ou histórias enterradas em enigmas de civilizações passadas, por exemplo. O fato surpreendente, que muitas vezes nos passa despercebido, é o motivo pelo qual esse interesse surge e nutre nossa curiosidade.

Deixando de lado as teorias antropológicas para explicar esse fenômeno, faria muito sentido olharmos para nosso momento presente e nos convidarmos à mesma proposta sugerida por Robert Zemeckis de cogitar o futuro.

Vivemos em uma sociedade que colhe os resquícios de uma transformação profunda de paradigmas sociais, onde as concepções de espaço versus tempo e virtual versus real foram brutalmente alteradas nas últimas décadas. No tempo real de hoje conseguimos transferir informações como nunca antes na história da humanidade, e essa habilidade nos proporciona uma sensação de alcance ilimitado de informações, juntamente com uma capacidade de descartá-las com muita facilidade, como, aliás, já nos alertara Zigmund Bauman em seu conceito de pós-modernidade líquida.

Diante disso, e inspirados pelo filme clássico do qual trata este texto, poderíamos imaginar o futuro de 26 anos após este atual momento em que vivemos e nos perguntar: “Como eu imagino que as coisas estarão em 2041 ?”

Certamente, a resposta variará de acordo com cada pessoa, entretanto, esse exercício nos ajuda a olhar pra frente e a estabelecer objetivos claros (com data específica) daquilo que queremos e, como consequência, a pensar os caminhos que nos levariam a eles.

Muitas vezes, as mensagens difundidas pelos filmes não conseguem interagir de forma eficiente com os seus interlocutores. Neste caso, ainda que o De Volta para o Futuro não tenha sido um marco na vida de muita gente (e se o foi, pode não ter induzido a um questionamento conceitual acerca do tempo, do espaço e de nossas vidas no futuro) não podemos negar sua capacidade de nos fazer refletir sobre o nosso hoje e o nosso amanhã.

O marco de 2041 pode ser alterado a partir da expectativa de cada um, o importante nesse caso é olharmos para frente e constatarmos se aquilo que sonhamos um dia está coerente com nossas atitudes atuais, e em não estando, temos a possibilidade de mudar os rumos de nossos atos no presente. No futuro essa possibilidade pode não existir. O instante que um dia será ficção, hoje é realidade na mão de cada um de nós, por isso, não aproveitá-lo e não tomar decisões inteligentes que garantam um futuro mais feliz para si pode ser o maior motivo de frustração e desinteresse na visualização do futuro.

A máquina do tempo existe, ela corre lenta, dia após dia, estamos dentro dela e sendo transportados para o futuro. Entretanto, ela jamais será capaz de voltar ao passado. Por esse motivo, utilize essa fragilidade para plantar hoje as sementes dos frutos que quer colher.

Assim, quando o dia 21 de outubro de 2041 chegar, será momento de se entusiasmar com o resultado de suas atitudes, não será possível voltar no tempo, como muitos irão querer, mas será possível se orgulhar das atitudes que você terá tomado.

Se existe um momento para tomá-las esse momento é Agora ! daqui a um instante esse momento será uma ficção, por isso, faça dele uma realidade agradável enquanto ainda há tempo. É tempo para a mudança.