Na mitologia dos Gigantes, a sua jornada
Quando
crianças, todos nós já ouvimos histórias sobre gigantes, tais como a do João e
o Pé de Feijão, originalmente escrita por Joseph Jacobs em 1890, cujo roteiro
revela a história de uma viúva e seu filho curioso e rebelde, que recebera de
sua mãe a ordem para trocar a única vaquinha que possuíam por míseros tostões
na cidade. Entretanto, durante o caminho, um sujeito estranho o encontra e
acaba por lhe oferecer em troca do animal um punhado de sementes de feijão.
Acreditando serem mágicas, João decide por realizar a troca, voltando para casa
com grande euforia.
Após ser
repreendido por sua mãe por causa de tamanha estupidez e ingenuidade, o jovem
lança furioso as sementes de feijão pela janela, que para sua surpresa, dão
origem a um gigantesco pé de feijão no dia seguinte. O tamanho da planta
ultrapassava o limite das nuvens do céu. Tomado pela curiosidade, o jovem
resolve escalar o pé de feijão até a casa de um gigante comedor de crianças.
Com esperteza, sobretudo, o jovem consegue tomar vantagem da palermice e do
descuido do gigante para lograr as riquezas que buscara, conquistando,
inclusive, uma pata dotada da capacidade de botar ovos de ouro.
Como nessa
história, a figura dos gigantes está presente em nosso imaginário coletivo
desde os tempos mais remotos, inundando nossa imaginação com a personificação
de um ser dotado de poder, mas insensível às belezas apreciadas por nós
humanos. O estereótipo do gigante nos remonta a adjetivos negativos, de pouco
apreço à colaboração e ao convívio. Os gigantes estão sempre sozinhos e dotados
de quase nenhum atributo de bondade ou humor.
A
psicoterapeuta junguiana Marie Louise von Franz, em seu livro The Shadow and
Evil in Fairy Tales, destaca coisas interessantes sobre esses seres. Dentre
elas, a ideia de que gigantes seriam seres criados antes mesmo dos seres
humanos pelos deuses. E como que fadados a encenar o papel de uma espécie
experimental, aos gigantes restaria o papel de servirem de cobaias desajeitadas
e desprovidas de habilidades que seriam concedidas mais tarde a nós. Na
mitologia nórdica, por exemplo, os gigantes existem antes mesmo dos deuses. Nas
escrituras sagradas, o roteiro não foge à regra, e ao gigante Golias cabe o
papel de guerreiro cruel e invencível.
Entretanto,
esse arquétipo pode nos auxiliar a refletir sobre algumas circunstâncias reais
em nosso cotidiano – especialmente do ponto de vista profissional – capazes de
nos fazer tomar atitudes reais em nosso benefício. Com exceção daqueles que
recebem algum tipo de herança e não precisam batalhar para conquistar seu
sucesso financeiro, todos nós outros precisamos enfrentar diferentes gigantes
ao longo de nossa jornada até a conquista de nossa “pata com ovos de ouro”.
Muitas das vezes, a inexperiência com que entramos na vida adulta nos faz agir
com certa dose de irresponsabilidade e curiosidade, tal como o João do pé de
feijão, que não se contentando com a venda da vaca pelo simples prolongamento
de sua miséria, se encanta com algo que poderia ser novo. Essa expectativa lhe
saltou os olhos, fazendo disparar-lhe o coração e o dotando de coragem para
tomar uma decisão inusitada e corajosa.
Na medida em
que crescemos, e os gigantes vão sendo derrotados em nossa trajetória
profissional e pessoal, o tempo e o esforço se encarregam de nos presentear com
as conquistas que almejávamos enquanto éramos mais jovens. Nossa casa, que
antes era um sonho quase intransponível, com o passar do tempo já nem
financiada está. O carro, que antes era uma imaginação, muitas vezes é trocado
por modelos mais novos de tempos em tempos. As viagens nas férias muitas vezes
nem são mais tão preparadas com tamanha expectativa como fazíamos há 10 anos.
Da mesma forma, a promoção e o aumento do salário, algo tão esperado, mais cedo
ou mais tarde acabam sendo conquistados. Enfim, os gigantes que antes nos
tiravam o sono estão quase todos derrotados, nos restando usufruir de certo
conforto e acomodação.
Dante disso, o
que restaria então? Presentear a história com um final aparentemente feliz?
Seria injusto! Ainda que do ponto de vista literário.
Se por um lado
a vitória contra os gigantes nos faz atingir certo conforto e alívio, por outro
lado, muitas vezes confundimos uma vaca cujo leite ainda não secou com uma pata
capaz de botar ovos de ouro.
Da mesma forma
que devemos fugir do conformismo de João com a vaquinha até o recebimento da
ordem de sua mãe, devemos repelir a desesperança da pobre velhinha. Mais ainda,
para que nossa história possa ser contada com letras maiúsculas, precisamos assumir
o papel de buscar algo novo no roteiro, capaz de romper o paradigma da
conformidade, de nos fazer acreditar em ultrapassar os limites estabelecidos
pelas circunstâncias da vida. Para os que já possuem vacas férteis com grande
quantidade de leite, talvez essa atitude se torne mais difícil, mas para
conquistar a pata com ovos de ouro é preciso antes de mais nada sonhar com os
objetivos maiores do que aqueles que nos são apresentados. Para aqueles que
estão na situação de João, com uma vaquinha com o leite prestes a secar, a
necessidade de uma atitude corajosa é mais urgente. Diante dessas
circunstâncias, entre deixar o leite secar e trocar a vaca por tostões capazes
apenas de prolongar a tragédia estabelecida, devemos tomar consciência da
necessidade de tomar atitudes surpreendentes, capazes de virar o jogo, fora das
possibilidades aparentes.
Geralmente,
atitudes como essas exigem certo grau de irresponsabilidade e juventude.
Entretanto, quando bem trabalhadas podem ser sentimentos a serem cultivados a
fim de nos fazer sair de nossa zona de conforto. Ulisses, na obra prima da
Odisseia de Homero já havia vencido Polífemo, o gigante de um olho só que
habitava a terra dos ciclopes. Entretanto, momentos mais tarde os Lestrigões
canibais, também gigantes, aparecem para tirar o seu sossego fazendo-o resgatar
forças para também vencê-los. Vencer alguns gigantes não significa que chegamos
ao destino. Nossa jornada é uma eterna aventura a céu aberto.
A coragem, o
ímpeto e a ousadia não devem, entretanto, compor uma cesta cheia de um eterno
tormento, como quem precisa levantar-se às 3hs da manhã para correr apenas para
provar para si mesmo que o corpo não tem limites. Ao contrário disso, uma vida
de colheita farta e de resultados possíveis passa pela mudança de mentalidade,
por fazer com que sonhar com algo diferente e novo não seja um sacrifício, mas
sim um uma visão de um copo d´água gelada diante da sede por mudança. O Mudar
precisa habitar a esperança e não o sacrifício, a mudança é uma consequência de
uma florescência que já nasceu dentro de nós.
Tal como a
juventude, o tempo é fugidio, não existe em concreto. Tudo o que vivemos, e
alguma forma, ou é passado ou é futuro. O momento presente é uma função
derivada que tende ao infinito, por mais próximos que possamos chegar do
presente ele sempre será uma utopia. Portanto, se há uma estratégia viável para
mudarmos o rumo de nossas conquistas é ter a consciência de que fizemos tudo
para nos sentar na janela e termos a melhor visão quando o trem passar veloz
diante da árvore florida da vida.
Se os gigantes
da sua jornada já foram vencidos, acorde-os, pois a maior vitória para o
gigante é te fazer acreditar que não é mais preciso lutar. É tempo para a
mudança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário