sexta-feira, 13 de março de 2020

Se o Brasil não é nem de longe o país mais afetado pelo COVID-19,
por que tem a bolsa que mais cai no mundo?


Estamos em uma pandemia! Na quarta-feira dia 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o mundo está em uma situação de pandemia relacionada ao vírus COVID-19, descoberto na China no último dia de 2019 e que até a última sexta-feira 13 contava com um número de infectados de mais 135 mil pessoas em todos os continentes. Essa situação tem se agravado diariamente, deixando os mercados do mundo todo em alerta, principalmente por conta na queda da produtividade e do consumo que esse vírus pode causar ao impedir que as pessoas circulem livremente ou deixem de trabalhar.

Mas uma pergunta que aparentemente fica para muita gente é: Por que o Brasil é o país que mais sofre em relação à queda dos investimentos na bolsa de valores se nem de longe é o país com mais infectados por essa doença? Analisando a situação, é preciso compreender que o investimento em ações está diretamente relacionado à propensão dos investidores em assumir risco. Sendo assim, eu relacionaria essa situação de crise na bolsa de valores brasileira a pelo menos 5 fatores:

1) Fator Político 1: Queda na confiança do Governo

Após a eleição de 2018, o Brasil passou a ter uma nova dinâmica de relação entre o poder Executivo e o poder Legislativo. O presidente não possui uma estratégia de relação com o legislativo que busque uma composição de maioria para a defesa de suas pautas de interesse, ao invés disso, ele aposta na mobilização das ruas e das redes (cada vez menor) para a garantia de sua popularidade e do suporte para a aprovação das reformas que ele propõe. Os sucessivos episódios de escândalos relacionados à falta de postura de liderança, falta de capacidade de conduzir situações de crise, pouco apreço às instituições, além da baixa habilidade para lidar com opiniões contrárias - inclusive da imprensa - tem revelado uma face do governo muito mais comprometida com a defesa de pautas ideológicas do que com um projeto de recuperação econômica. Esse perfil de conduta, com apelo cada vez mais confinado a uma parcela radical do eleitorado do atual governo, pode estar contribuindo para o aumento da incerteza relacionada à incapacidade do governo em conduzir o país a uma recuperação real da economia. Com 8 meses de governo (sem qualquer relação com os problemas relacionados ao Corona vírus) o fluxo de recursos estrangeiros na Bolsa de valores brasileira (diferença entre as compras as vendas de ações) acumulava um déficit em torno de R$20 bilhões, em 2019 esse déficit superou a casa dos R$44 bilhões. Esse foi o principal motivo do aumento da taxa de câmbio no período recente.

2) País massivamente exportador de commodities.

O Brasil possui uma balança comercial positiva há um bom tempo em função de seu perfil exportador de commodities (em especial produtos agropecuários e minério). Um dos grandes compradores desses produtos é justamente a China, o principal parceiro comercial do Brasil, e responsável por 26,8% do total de exportações do país. O índice Bovespa possui uma relação direta com empresas desse tipo de produto, a saber, a Vale é a segunda empresa com maior participação no indicador, com 8,74% de representação e a Petrobrás é a quinta, com 4,46% de participação.

3) Alerta nos EUA

Os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial do Brasil. Ultimamente a política de proximidade incondicional do governo brasileiro com o governo americano tem feito com que as expectativas de recuperação da economia americana tenham uma maior relevância no mercado interno brasileiro. Nos EUA, os dados sobre o COVID-19 ainda são incertos, não há um sistema público capaz de identificar exatamente o número de contaminados no país. Somado a isso, o sistema de trabalho baseado em remuneração por horas trabalhadas e sem suporte de renda em situações de doença faz com que o risco de contaminação possa estar muito maior do que pareça. Esse fator de imprecisão, além da possibilidade de queda no crescimento norte americano causam apreensão, fazendo com que investidores recuem diante de investimentos com maior propensão ao risco.

4) Fator Político 2: Desalinhamento entre os poderes Executivo e Legislativo

No último dia 11/03 o congresso derrubou o veto presidencial que restringia a ampliação do limite máximo para que idosos e pessoas com deficiência tivessem acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada). Essa derrubada terá um impacto de pelo menos R$20 bilhões no orçamento neste ano. Mais do que os prós e contras sobre a importância desse benefício, o que fica evidente é o desalinhamento entre os poderes Executivo e Legislativo, incentivado por uma onda de insinuações críticas ao congresso e ao poder judiciário por parte do poder Executivo nas últimas semanas. Essa falta de capacidade política de sustentar projetos no congresso faz com que o investidor reaja com desconfiança e passe a recuar diante da capacidade do governo em sustentar sua pauta de reformas.

5) O Problema do Petróleo: Rússia x Arábia Saudita

A queda na produção por conta do Corona vírus possui impacto direto no consumo de petróleo no mundo fazendo com que os preços dessa commoditie caiam por conta da falta de consumo e do seu excesso de produção. Com isso, buscando garantir espaço nesse setor, a Rússia e Arábia Saudita iniciaram uma guerra de preços a partir desta semana. Basicamente, a Rússia não concordou em reduzir o volume produzido de petróleo que pretendia impedir a queda do preço. Em resposta, a Arábia Saudita que é líder da OPEP (Organização de Países Produtores de Petróleo) anunciou aumento na produção e desconto nos preços a fim de fazer com que sua barganha derrube as condições dos países menos competitivos de comercializar o produto. Isso já tinha ocorrido entre 2011 e 2015, quando o aumento da produção de petróleo a partir de xisto nos EUA levou a OPEP a uma política de queda nos preços do petróleo para impedir o avanço dos Estados Unidos nesse setor. No caso do Brasil, o grande volume de ações da Petrobrás no índice da bolsa de valores tem uma relação direta com o impacto que isso gerou no país. Na medida em que as ações da Petrobrás caem, o índice Bovespa responde de forma direta, dado o grande volume desse papel na bolsa brasileira (4,46%).


Por fim, passado o período de alarme, já é possível esperar que a situação relacionada ao vírus se acalme a partir de meados de junho, pois considerando que os dados de transmissões advindos da China estão começando a se revelar promissores, o tempo para que isso seja assimilado pelos investidores pode demandar um pouco mais de tempo. Já em relação à capacidade do governo em tornar o Brasil um país mais estável e atraente para o investimento estrangeiro, é preciso que os sinais dados pelo governo sejam mais comprometidos com a expectativa de um projeto de longo prazo e menos preocupados em satisfazer clãs radicais de seguidores de redes sociais.

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